Apresentação
TERMINADA
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Acho que temos boas razões para
crer que todos os animais, exceto o homem, vivem em um presente contínuo. Já
nós, ao contrário dos animais, temos um sentido não só do passado, mas também
de futuro. Isso é legal, é saudável, principalmente pra quem estuda História,
né... Mas veja, aí também está o germe de uma série de problemas.
Eu
li a pouco tempo atrás o artigo de um historiador famoso, chamado Le Goff.
Nesse artigo (chamado o Tempo do mercador e o tempo da igreja), ele tava
preocupado em entender a mudança de noção de tempo na passagem da Idade Média
para a Moderna e uma coisa me chamou a atenção e acho que é bastante pertinente
pro que pretendo dizer aqui.
Ele
defendia que o tempo, nesse período, era o principal dom de Deus ao homem e
fazia parte do cristianismo. Não é por acaso que a usura era considerada
errado, porque significa que há um roubo de um bem divino para o lucro próprio.
Quando
você empresta dinheiro por juros, o tempo que passa entre o dinheiro emprestado
e o devolvido é o lucro que o usurário vai ter.
O
juros então é uma venda do tempo, portanto... Um pecado.
E
por que o tempo era considerado um bem de todos? Por que hoje já não é mais.
Ninguém tem tempo aqui.
O
tempo era um bem de todos porque determinava a ação de todos por meio da
liturgia católica – sino da igreja para acordar, se recolher, rezar, comer,
etc: tempo da igreja está associado há um tempo natural de atividade.
Para
além de exemplos religiosos, podemos citar também sociedades tradicionais, campestres,
com diferentes medidas de tempo. Um exemplo: O tempo do pescador depende da
natureza, das marés, dos ventos, enfim.
O
tempo do relógio é desprezado. A natureza é quem determina as ações de
trabalho.
Há
também casos em que a atividade da pessoa que mede o tempo. Tirar a vaca do
curral, cuidar das ovelhas, mandar ferrar o cavalo. Li numa carta da época: “tempo
de uma mijada”.
Havia
um ciclo muito irregular da semana de trabalho e isso provocou muita
insatisfação nos moralistas e mercantilistas do século XVII.
Falo
século XVII porque eu trouxe um poema dessa época, publicado em 1639, que nos
dá uma versão satírica de como funcionava a coisa:
Sabemos que a segunda-feira é
irmã do domingo;
A terça-feira também;
Na quarta-feira temos de ir à
igreja e rezar;
A quinta-feira é meio-feriado;
Na sexta-feira é tarde demais
para começar a fiar;
O sábado é outra vez
meio-feriado.[1]
Então
havia irregularidade antes da introdução da indústria, e o trabalho sempre
alternava atividade intensa e ociosidade quando as pessoas detinham o controle
de sua vida produtiva.
Claro
que nem tudo eram flores. Existe uma canção
do século XVIII, de Sheffield na Inglaterra, e se nós dermos crédito a ela,
podemos notar uma tensão doméstica por conta disso.
Quando numa boa Santa
Segunda-Feira,
Sentados à beira do fogo da
forja,
Cantando o que se fez no domingo,
Com alegria jovial conspiramos,
Logo escuto a porta do alçapão se
erguer,
Na escada está minha mulher:
“Ao diabo, Jack, vou bater na tua
cara,
Tu levas uma vida de bêbado
irritante,
Ficas aí sentado em vez de
trabalhar,
Com o cântaro sobre o joelho;
Maldito, tudo contigo é
sorrateiro.
E eu a trabalhar para ti como uma
escrava
(...)
Sabes que odeio discussões e
brigas,
Mas não tenho nem sabão, nem chá;
Ou te endireita, Jack, abandona o
barril,
Ou nunca mais vais dormir comigo”[2]
Percebemos
aqui o confronto com a irregularidade do trabalho.
Conforme
o desenvolvimento industrial das sociedades vai acontecendo, deixará de haver
esse tempo litúrgico, deixará de haver a Santa Segunda-Feira, e passará a
existir um “tempo material” – ou seja, o tempo do relógio.
E
junto com essa nova medição do tempo, veio também novas disciplinas:
Essas
são as instruções que um diretor de fábrica deveria seguir.
Toda manhã, às cinco horas, o
diretor deve tocar o sino para o início do trabalho, às oito horas, para o café
da manhã, depois de meia hora para o retorno ao trabalho, ao meio-dia para o
almoço, a uma hora para o trabalho e às oito para o fim do expediente, quando
tudo deve ser trancado. [3]
Para
nós, não passa de uma rotina. Aprendemos assim até na escola, com sinais, hora
do lanche, etc. Mas nesse período, essa prática estava sendo introduzida e um
dado curioso é que o diretor tinha ordens para manter o relógio de pulso
“trancado a sete chaves a fim de impedir que outra pessoa o alterasse”.
Com
essa nova rotina e disciplina, não é por acaso que no século XVIII aconteceu a
famosa Revolução industrial.
Mas
é no século seguinte que as mudanças de fato acontecerão, o relógio que antes
era propriedade do patrão, passou a ser público. Slide BIG BEN.
Deixou
de ser um artigo de luxo e se tornou de conveniência. Talvez porque as pessoas
já haviam introjetado nelas o costume de utilizar o tempo artificial para se
organizar.
Instalado no Palácio de Westminster durante a gestão de sir Benjamin Hall, ministro de Obras Públicas da Inglaterra, em1859.
E até mesmo Deus se tornou um relojoeiro. Em 1802, o teólogo inglês William
Paley propôs o seguinte argumento tentando justificar a existência de Deus, que
eu parafraseio:
"Imagine
uma pessoa passeando em uma floresta. Essa pessoa é perfeitamente
normal, mas ela nunca havia visto um relógio. Enquanto ela explora as belezas
naturais, encantada com tantas árvores, flores e animais, depara um relógio de bolso jogado aos pés de um arbusto. Ela pega o
relógio e, imediatamente, conclui que ele deve ter sido
criado por Deus. Segundo essa pessoa, um instrumento de tal complexidade jamais
poderia ter sido criado por processos naturais; era necessária a mão de
Deus."
Tá, o que
quero com tudo isso?
Apenas que
vocês saibam que a difusão
do relógio coincide com a revolução industrial e a sincronização do trabalho;
E é no tempo
do relógio que está posta a máxima “tempo é dinheiro”, que vigora até hoje.
PIOR!, esse tempo não pertencia a esses caras, nem pertence a gente. Afinal,
nós vendemos nosso tempo... tá no seu contrato.
Não podemos
passar o tempo. Nós gastamos o tempo.
Regulamos o
tempo de lazer e o diminuímos caso ele coincida com o trabalho. Tempo ocioso
deve ter uma utilização útil.
Por que surgiu um relógio como o Big Bem no
ano de 1859? Porque foi em 1855 que o relógio de ponto, que individualiza o
tempo que o empregado deve ao empregador foi criado.
Até mesmo nas reações operárias do período
e de hoje em dia também, as lutas serão por meio do tempo:
Luta-se por 8h de trabalho, ou por hora
extra.
E as greves? São uma resistência: para-se o
tempo de produção.
Estamos regrados por uma ética do relógio,
Não é por acaso que hoje nós não podemos
dar atenção a todas as pessoas ou a todas as
coisas da cidade.
Nossas relações são impessoais e dependente
de regularidade. Reguladas pela pontualidade, sempre com horários para cumprir.
Bom, tudo o
que foi dito, não se trata de acusar o que as benesses da civilização nos
trouxeram e apontar de maneira negativa. O que precisa ser dito não é que um
modo de vida seja melhor do que o outro, mas que esse é um ponto de conflito de
enorme alcance, ou seja, ao longo da História, podemos perceber que há valores
que resistem antes de serem perdidos bem como resistem para serem ganhos.
Resistência é uma palavra importante.
Então... Me permitam uma reflexão então sobre o hoje
em dia.
Segundo o site de
etimologia origemdapalavra.com.br, estresse tem um equivalente exato na língua
portuguesa: tensão.
Se formos mais a
fundo, encontramos a origem da palavra no verbo DISTRINGERE (dis – “afastar”
mais stringere – “apertar, atar”). Isso era entendido como um “sequestro legal
de bens para pagamentos de algum tipo de indenização”
Ao longo do tempo ele irá sofrer inúmeras alterações, vai
passar pelo francês “DISTRECE” e chegaria ao inglês DISTRESS (sofrer,
angústia), enfim. Posteriormente encurtou e se tornou o famoso SRESS que
acomete boa parte de nossa geração.
Durante esse percurso, eu selecionei alguns significados que
a palavra ganhou ao longo do tempo, baseado no Oxford English Dictionary, com
datação histórica:
1440 – Força ou
pressão exercida sobre um objeto
1655 – Força ou
pressão exercida sobre uma pessoa com o fim de compelir ou extorquir
1690 – Exercício extenuante, grande esforço
1756 – insistência excepcional, ênfase
(Oxford English Dictionary)
1936 – Qualquer agente ou estímulo, nocivo ou benéfico, capaz de
desencadear no organismo mecanismos neuroendócrinos de adaptação.
(Hans Selye, em 1936.) – Hans Selie
Definição dada por um médico e
pesquisador austríaco de que trabalhava na Universidade de Montreal, no Canadá,
em 1936. Ele pega o termo “stress” emprestado da engenheira. Originalmente é
dessa área do conhecimento que vem o termo. E ele adapta.
Um dado curioso, porque no mesmo
ano de 1936, um famosíssimo cineasta britânico representava com seu personagem
vagabundo a vivência em meio a toda modernização e industrialização da época.
TEMPOS MODERNOS:
O stress
talvez esteja próximo de uma forma de alerta para algo que não tá indo bem,
aparentemente individual... mas que na verdade assola toda uma coletividade.
Acontece que
o stress não vai culminar em greves. Ninguém vai protestar contra seus patrões
alegando que eles não estão satisfazendo sua necessidade de indolência e beleza
espiritual.
Se não é nas
greves ou formas de protestos mais comumente vistos em tempos passados, no que
o stress de hoje - entendido como um alerta (do nosso corpo, que mostra que algo
está errado) - pode resultar? Talvez no uso de drogas, na ansiedade pelo final
de semana já no domingo a noite, no uso de remédios, na busca por terapias para
o corpo, para mente, que seja...
Vivemos numa sociedade que, por
conta da velocidade, faz a gente perder a fruição da experiência.
Não é por acaso que essas doenças
- chamadas doenças do Século XXI - estejam ligadas ao tempo (ou a falta de...).
Stress, transtorno de ansiedade.
Piração com a estética, essa coisa de não querer envelhecer. Depressão.
Vamos pensar na depressão: algo
que assola pessoas que se sentem insuficientes, incapazes de acompanhar a onda
e por isso são infelizes. Ou o contrário: pessoas que surfam nessa onda e vão
além e bang, Síndrome de Burnout – se sentem excessivamente ativas, que começam
a pifar, desgastadas por conta de seus esforços físicos e psicológicos.
Sinal Fechado
(1969) – Paulinho da Viola
Uma música que faz tanto sentido
hoje quanto quando foi composta, em 1969.
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