domingo, 14 de outubro de 2012

Seminário sobre STRESS



Apresentação TERMINADA
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Acho que temos boas razões para crer que todos os animais, exceto o homem, vivem em um presente contínuo. Já nós, ao contrário dos animais, temos um sentido não só do passado, mas também de futuro. Isso é legal, é saudável, principalmente pra quem estuda História, né... Mas veja, aí também está o germe de uma série de problemas.

Eu li a pouco tempo atrás o artigo de um historiador famoso, chamado Le Goff. Nesse artigo (chamado o Tempo do mercador e o tempo da igreja), ele tava preocupado em entender a mudança de noção de tempo na passagem da Idade Média para a Moderna e uma coisa me chamou a atenção e acho que é bastante pertinente pro que pretendo dizer aqui.

Ele defendia que o tempo, nesse período, era o principal dom de Deus ao homem e fazia parte do cristianismo. Não é por acaso que a usura era considerada errado, porque significa que há um roubo de um bem divino para o lucro próprio.

Quando você empresta dinheiro por juros, o tempo que passa entre o dinheiro emprestado e o devolvido é o lucro que o usurário vai ter.

O juros então é uma venda do tempo, portanto... Um pecado.

E por que o tempo era considerado um bem de todos? Por que hoje já não é mais. Ninguém tem tempo aqui.

O tempo era um bem de todos porque determinava a ação de todos por meio da liturgia católica – sino da igreja para acordar, se recolher, rezar, comer, etc: tempo da igreja está associado há um tempo natural de atividade.

Para além de exemplos religiosos, podemos citar também sociedades tradicionais, campestres, com diferentes medidas de tempo. Um exemplo: O tempo do pescador depende da natureza, das marés, dos ventos, enfim.

O tempo do relógio é desprezado. A natureza é quem determina as ações de trabalho.

Há também casos em que a atividade da pessoa que mede o tempo. Tirar a vaca do curral, cuidar das ovelhas, mandar ferrar o cavalo. Li numa carta da época: “tempo de uma mijada”.
Havia um ciclo muito irregular da semana de trabalho e isso provocou muita insatisfação nos moralistas e mercantilistas do século XVII.

Falo século XVII porque eu trouxe um poema dessa época, publicado em 1639, que nos dá uma versão satírica de como funcionava a coisa:

Sabemos que a segunda-feira é irmã do domingo;
A terça-feira também;
Na quarta-feira temos de ir à igreja e rezar;
A quinta-feira é meio-feriado;
Na sexta-feira é tarde demais para começar a fiar;
O sábado é outra vez meio-feriado.[1]

Então havia irregularidade antes da introdução da indústria, e o trabalho sempre alternava atividade intensa e ociosidade quando as pessoas detinham o controle de sua vida produtiva.

Claro que nem tudo eram flores. Existe uma canção do século XVIII, de Sheffield na Inglaterra, e se nós dermos crédito a ela, podemos notar uma tensão doméstica por conta disso.

Quando numa boa Santa Segunda-Feira,
Sentados à beira do fogo da forja,
Cantando o que se fez no domingo,
Com alegria jovial conspiramos,
Logo escuto a porta do alçapão se erguer,
Na escada está minha mulher:
“Ao diabo, Jack, vou bater na tua cara,
Tu levas uma vida de bêbado irritante,
Ficas aí sentado em vez de trabalhar,
Com o cântaro sobre o joelho;
Maldito, tudo contigo é sorrateiro.
E eu a trabalhar para ti como uma escrava
(...)
Sabes que odeio discussões e brigas,
Mas não tenho nem sabão, nem chá;
Ou te endireita, Jack, abandona o barril,
Ou nunca mais vais dormir comigo”[2]

Percebemos aqui o confronto com a irregularidade do trabalho.

Conforme o desenvolvimento industrial das sociedades vai acontecendo, deixará de haver esse tempo litúrgico, deixará de haver a Santa Segunda-Feira, e passará a existir um “tempo material” – ou seja, o tempo do relógio.

E junto com essa nova medição do tempo, veio também novas disciplinas:

Essas são as instruções que um diretor de fábrica deveria seguir.

Toda manhã, às cinco horas, o diretor deve tocar o sino para o início do trabalho, às oito horas, para o café da manhã, depois de meia hora para o retorno ao trabalho, ao meio-dia para o almoço, a uma hora para o trabalho e às oito para o fim do expediente, quando tudo deve ser trancado. [3]

Para nós, não passa de uma rotina. Aprendemos assim até na escola, com sinais, hora do lanche, etc. Mas nesse período, essa prática estava sendo introduzida e um dado curioso é que o diretor tinha ordens para manter o relógio de pulso “trancado a sete chaves a fim de impedir que outra pessoa o alterasse”.

Com essa nova rotina e disciplina, não é por acaso que no século XVIII aconteceu a famosa Revolução industrial.

Mas é no século seguinte que as mudanças de fato acontecerão, o relógio que antes era propriedade do patrão, passou a ser público. Slide BIG BEN.

Deixou de ser um artigo de luxo e se tornou de conveniência. Talvez porque as pessoas já haviam introjetado nelas o costume de utilizar o tempo artificial para se organizar.

Instalado no Palácio de Westminster durante a gestão de sir Benjamin Hall, ministro de Obras Públicas da Inglaterra, em1859.

E até mesmo Deus se tornou um relojoeiro. Em 1802, o teólogo inglês William Paley propôs o seguinte argumento tentando justificar a existência de Deus, que eu parafraseio:

"Imagine uma pessoa passeando em uma floresta. Essa pessoa é perfeitamente normal, mas ela nunca havia visto um relógio. Enquanto ela explora as belezas naturais, encantada com tantas árvores, flores e animais, depara um relógio de bolso jogado aos pés de um arbusto. Ela pega o relógio e, imediatamente, conclui que ele deve ter sido criado por Deus. Segundo essa pessoa, um instrumento de tal complexidade jamais poderia ter sido criado por processos naturais; era necessária a mão de Deus."

Tá, o que quero com tudo isso?

Apenas que vocês saibam que a difusão do relógio coincide com a revolução industrial e a sincronização do trabalho;

E é no tempo do relógio que está posta a máxima “tempo é dinheiro”, que vigora até hoje. PIOR!, esse tempo não pertencia a esses caras, nem pertence a gente. Afinal, nós vendemos nosso tempo... tá no seu contrato.

Não podemos passar o tempo. Nós gastamos o tempo.

Regulamos o tempo de lazer e o diminuímos caso ele coincida com o trabalho. Tempo ocioso deve ter uma utilização útil.

Por que surgiu um relógio como o Big Bem no ano de 1859? Porque foi em 1855 que o relógio de ponto, que individualiza o tempo que o empregado deve ao empregador foi criado.

Até mesmo nas reações operárias do período e de hoje em dia também, as lutas serão por meio do tempo:

Luta-se por 8h de trabalho, ou por hora extra.

E as greves? São uma resistência: para-se o tempo de produção.

Estamos regrados por uma ética do relógio,

Não é por acaso que hoje nós não podemos dar atenção a todas as pessoas ou a todas as coisas da cidade.

Nossas relações são impessoais e dependente de regularidade. Reguladas pela pontualidade, sempre com horários para cumprir.


Bom, tudo o que foi dito, não se trata de acusar o que as benesses da civilização nos trouxeram e apontar de maneira negativa. O que precisa ser dito não é que um modo de vida seja melhor do que o outro, mas que esse é um ponto de conflito de enorme alcance, ou seja, ao longo da História, podemos perceber que há valores que resistem antes de serem perdidos bem como resistem para serem ganhos. Resistência é uma palavra importante.

Então...  Me permitam uma reflexão então sobre o hoje em dia.

Segundo o site de etimologia origemdapalavra.com.br, estresse tem um equivalente exato na língua portuguesa: tensão.
Se formos mais a fundo, encontramos a origem da palavra no verbo DISTRINGERE (dis – “afastar” mais stringere – “apertar, atar”). Isso era entendido como um “sequestro legal de bens para pagamentos de algum tipo de indenização”

Ao longo do tempo ele irá sofrer inúmeras alterações, vai passar pelo francês “DISTRECE” e chegaria ao inglês DISTRESS (sofrer, angústia), enfim. Posteriormente encurtou e se tornou o famoso SRESS que acomete boa parte de nossa geração.

Durante esse percurso, eu selecionei alguns significados que a palavra ganhou ao longo do tempo, baseado no Oxford English Dictionary, com datação histórica:

1440 – Força ou pressão exercida sobre um objeto
1655 – Força ou pressão exercida sobre uma pessoa com o fim de compelir ou extorquir
1690 – Exercício extenuante, grande esforço
1756 – insistência excepcional, ênfase
(Oxford English Dictionary)

1936 – Qualquer agente ou estímulo, nocivo ou benéfico, capaz de desencadear no organismo mecanismos neuroendócrinos de adaptação.
(Hans Selye, em 1936.) – Hans Selie

Definição dada por um médico e pesquisador austríaco de que trabalhava na Universidade de Montreal, no Canadá, em 1936. Ele pega o termo “stress” emprestado da engenheira. Originalmente é dessa área do conhecimento que vem o termo. E ele adapta.

Um dado curioso, porque no mesmo ano de 1936, um famosíssimo cineasta britânico representava com seu personagem vagabundo a vivência em meio a toda modernização e industrialização da época.

TEMPOS MODERNOS:

O stress talvez esteja próximo de uma forma de alerta para algo que não tá indo bem, aparentemente individual... mas que na verdade assola toda uma coletividade.

Acontece que o stress não vai culminar em greves. Ninguém vai protestar contra seus patrões alegando que eles não estão satisfazendo sua necessidade de indolência e beleza espiritual.

Se não é nas greves ou formas de protestos mais comumente vistos em tempos passados, no que o stress de hoje - entendido como um alerta (do nosso corpo, que mostra que algo está errado) - pode resultar? Talvez no uso de drogas, na ansiedade pelo final de semana já no domingo a noite, no uso de remédios, na busca por terapias para o corpo, para mente, que seja...

Vivemos numa sociedade que, por conta da velocidade, faz a gente perder a fruição da experiência.
Não é por acaso que essas doenças - chamadas doenças do Século XXI - estejam ligadas ao tempo (ou a falta de...).

Stress, transtorno de ansiedade. Piração com a estética, essa coisa de não querer envelhecer. Depressão.

Vamos pensar na depressão: algo que assola pessoas que se sentem insuficientes, incapazes de acompanhar a onda e por isso são infelizes. Ou o contrário: pessoas que surfam nessa onda e vão além e bang, Síndrome de Burnout – se sentem excessivamente ativas, que começam a pifar, desgastadas por conta de seus esforços físicos e psicológicos.
Sinal Fechado (1969) – Paulinho da Viola

Uma música que faz tanto sentido hoje quanto quando foi composta, em 1969.


[1] Divers crab-tree lectures (1639), p. 126, citado em John Brand, Observations of popular antiquities (1813), pp. 459-60,
[3] Law Book da Siderúrgica Crowley, século XVIII.

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