domingo, 8 de abril de 2012

Áfricas – O menino fula (introdução)

Nós fomos treinados para enxergar uma África fraca e desreinada. O que sabemos sobre a África segue os modelos:
Grego – Grécia como berço cultural do ocidente, mesmo a humanidade tendo surgido na África.
Medieval – Em que não existe nada além da Europa. Olhar sobre os africanos defendendo que os descendentes de Cam fossem pecadores e sem alma.
 Modelo científico – Racista, eurocêntrico, que diminui as pessoas que vivem no continente a números e medidas e os inferioriza.

Mas há também o modelo pan-africanista, que busca:
- defesa da raça
- consciência política
- retomada da África
- direção ao progresso e o desenvolvimento, à raça e a família africana
- superação dos tribalismos

Tradição X Modernidade (África urbana)
Modernidade: Parte principalmente costeira.
Tradição: Tradicionalidade que não está presa ao ontem, reacionária.
A África é um continente que contém...
è 54 paises
è + de 1750 línguas faladas
è 30% do português tem origem bantu

Existem duas maneiras principais de abordar as realidades das sociedades africanas. Uma delas, que pode ser chamada de periférica, vai de fora para dentro e chega ao que vamos chamar de África-Objeto, que não se explica adequadamente. Enquanto a outra propõe uma visão interna, que vai de dentro para fora dos fenômenos e revela a África-Sujeito, a África da identidade profunda, originária, mal conhecida e portadora de propostas fundadas em valores absolutamente diferenciais.

Para resgatar essa África-Sujeito precisamos ir além dos livros e dos registros, devemos ouvir a narrativa baseada na memória dos fatos. Um dos maiores conhecimentos propostos pelas sociedades africanas está baseado nas palavras e na oralidade, bem como na “memória fotográfica”, símbolos da sabedoria e da verdade.

Valorizam a tradição e a inserção do individuo na sociedade pauta-se pelas regras de honra e conduta – tudo legado dos ancestrais – que definem identidades. O resultado disso é a socialização.

Voltando a palavra: como é que as pessoas, os velhos sábios, podem reconstituir os acontecimentos com precisão e minúcia? Como sabemos que não estão mentindo?

A oralidade está presente em boa parte do continente africano. Quanto mais velho a pessoa que conta, mais sofisticado é sua oralidade – esse é o papel dos mais velhos, guardar as memórias.

As memórias de uma geração, sobretudo a dos povos de tradição oral, que não podiam apoiar-se na escrita, é de uma fidelidade e de uma precisão prodigiosa. Eles são treinados a observar, olhar e escutar com tanta atenção que todo acontecimento se inscrevia em suas memórias. Assim, para descrever uma cena, para eles basta revivê-la interiormente.

Quando escutam uma história, por exemplo, não registram somente o conteúdo da história, mas toda a cena – a atitude do narrador, sua roupa, seus gestos, sua mímica e os ruídos do ambiente. Nada passa despercebido.

Mas nós, americanos, podemos ficar confusos porque eles não eram tão presos as cronologias e suas histórias não necessariamente são datadas com precisão. Além disso, há constante intervenção de sonhos premonitórios, previsões ou fenômenos desse gênero entre as histórias que eles contam, ou seja, o sonho tem seu papel e intervém na realidade, coisa que não estamos acostumados em nossas histórias.

Mas cuidado: estamos falando de “tradição africana”, mas não devemos generalizar. Não há uma África, não há um homem africano, não há uma tradição africana válida para todas as regiões e todas as etnias. Há constantes, como a presença do sagrado em todos os lugares, a relação entre os vivos e os mortos, o sentido comunitário, o respeito religioso pela mãe, etc, mas também há numerosas diferenças: deuses, símbolos sagrados, proibições, costumes, etc.

Estamos falando de maneira geral dessa região da savana africana, que vai do leste a oeste ao sul do Saara, território antigamente chamado de Bafur, que fica no oeste africano.



Nessa África tradicional, que acredita nas ritualidades, na força dos ancestrais, nos mais velhos, nessa África profunda, de realidades mágicas, o indivíduo é inseparável de sua linhagem, que continua a viver através dele e da qual ele é apenas um prolongamento. 

Assim, quando uma pessoa é homenageada ou saudada, ela é chamada repetidas vezes não pelo nome próprio, como aqui, mas pelo nome de seu clã. Por exemplo, um escrito africano chamado Amadou Hampâté do clã Bâ, é chamado saudado como “Bâ! Bâ!”, mesmo o nome sendo Amadou, porque não se está saudando o indivíduo isolado e sim, nele, toda a linhagem de seus ancestrais.

Havia hierarquias, aristocracias, mas especificamente dessa região que estamos falando, todos se consideravam nobres. “Nobre”, na realidade, significa “homem livre”, ou seja... todos que não são “cativos”, são nobres, mesmo o pastorzinho do campo, até o grande comerciante.

Enquanto isso, os cativos eram aqueles cujas aldeias haviam sido saqueadas ou que tinham caído prisioneiros de guerra. Podiam ser vendidos e submetidos a todo tipo de obrigações. Mas seus descendentes formam uma classe especial, a dos rïmaibé (que significa “nascido em casa”). São as famílias, filhos desses cativos. Eles não podiam ser vendidos e seus patrões eram obrigados a fornecer a eles alojamento, alimentação e proteção. Os patrões ricos lhes confiavam à gestão de seus bens e quase sempre a educação de seus filhos.

São esses cativos, antes que, antes de formarem família e tornarem-se rimaibé que são enviados para a costa africana e comercializados no tráfico.

Os centro-africanos estavam em todas as regiões de comércio de escravo e representavam 45% dos africanos importados como escravos para as Américas entre o séculos XVI e XIX. Ou seja, 5 dos 11 milhões de africanos.

O Brasil foi o principal importador de escravizados africanos oriundos da África Central, daí a importância dos estudos sobre as continuidades culturais africanas nas Américas.

E o que podemos considerar como uma importante continuidade? Entre milhares de coisas, com a língua, a comida, a escrita, a poesia, a dança, os instrumentos, a cozinha, os jogos, as religiões, etc... podemos dizer que o corporalismo africano foi o menos tocado pela colonização.

Ou seja, a escravidão e colonização não foram capazes de acabar com as memórias e saberes africanos. Seus ritmos, sua inteligência acústica, suas músicas.

A música e a dança, para os africanos, substituíam à retórica e o palanque Greco-romano. Trata-se de uma outra forma de pensamento.



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